Cinema e Série

VIRTUOSAS: quando o manual da boa esposa vira ritual de terror

Filme de terror VIRTUOSAS mergulha no terror social das mulheres moldadas para obedecer

Virtuosas - Filme de terror brasileiro

Crédito: Festival do Rio

Como uma mulher fã de filmes de terror, sempre pensei que as histórias mais fantasiosas — aquelas cheias de assombrações, monstros e entidades sobrenaturais — são justamente as que menos causam medo. Afinal, são improváveis de acontecer na vida real. Já os filmes que trazem situações possíveis, enraizadas no cotidiano, esses sim me arrepiam a espinha. E VIRTUOSAS é exatamente esse tipo de terror: o que nasce da realidade.

Em VIRTUOSAS, acompanhamos um grupo de mulheres aparentemente perfeitas, seguidoras de um coach que prega o retorno ao “verdadeiro papel feminino”: ser bela, recatada e do lar. Entre sorrisos forçados, vestidos floridos e discursos de obediência, o comportamento de devoção começa a se transformar em algo mais sombrio. A busca pela virtude se torna um ritual — e o que parecia um guia de vida, revela-se um sistema de controle, medo e silenciamento.

As tradwifes como ferramentas de manipulação do patriarcado

O movimento das tradwives é uma realidade. Mesmo que possamos acreditar que todas as mulheres são livres para escolher seu próprio caminho, esse ideal de submissão travestido de “tradição” é, na verdade, um retrocesso perigoso e manipulador.

O discurso das tradwives faz parecer que há autonomia, mas é apenas mais uma forma de aprisionamento disfarçada de escolha. Não é um movimento de liberdade, e sim de encarceramento simbólico, e agora também literal, nas telas. Os “coachs da virtuosidade” apenas reforçam o que o patriarcado sempre quis: mulheres moldadas, obedientes e com medo de sair do papel que lhes foi imposto.

VIRTUOSAS mostra que o verdadeiro terror não está no sobrenatural. Ele vive nas ideias que tentam transformar a obediência em virtude.

O filme VIRTUOSAS traz para a tela de forma vivaz esse tipo de movimento aterrorizante

Virtuosas Filme

Crédito: Festival do Rio

Dirigido por Cíntia Domit Bittar, o filme VIRTUOSAS traz para a tela, de forma intensa e perturbadora, a representação de um movimento que transforma a submissão feminina em virtude. O longa combina estética refinada com uma atmosfera de tensão crescente, revelando o terror social por trás da máscara da “perfeição feminina”.

A atriz Bruna Linzmeyer interpreta a excêntrica Virgínia Heinzel, uma coach dos bons costumes que inspira a vida de mulheres cristãs. Ela elabora um retiro chamado Virtuosa VIP e sorteia três mulheres cristãs para participar da primeira edição.

As escolhidas são Germina (Maria Galant), Lorena Canollo (Juliana Lourenção) e Bárbara Rossi (Sarah Motta). Participa também do retiro a assistente de Virgínia, Gorete (Brisa Marques). O evento vai escalonando para um espaço de busca de uma melhor versão da mulher até uma jornada absurda e paranóica.

O elenco feminino do filme é uma potência. Cada atriz entrega nuances que vão muito além do medo. Há desconfiança, raiva contida, submissão aprendida e momentos de silenciosa resistência. VIRTUOSAS é um filme que traz o terror como ferramenta de crítica social: desnuda estruturas de poder tão antigas que ainda assustam por continuarem vivas.

Virtuosas - filme brasileiro de terror

Crédito: Festival do Rio

VIRTUOSAS mistura humor, hipocrisia e vermelho em doses precisas

O filme é dominado por tons pastéis, cores caracterizadas por serem elegantes e discretas, principalmente para as mulheres virtuosas. Mas em algumas cenas, o vermelho começa a tomar a atenção do espectador pelas beiradas…no molho de tomate, no molho das carnes. Algo vai acontecer em breve.

A própria casa, cenário principal do filme, se torna um espaço claustrofóbico, onde cada cômodo parece observar e julgar as personagens. O lar, que deveria representar segurança, vira uma prisão adornada com flores e cortinas impecáveis, refletindo a dualidade entre aparência e opressão.

Algumas atitudes da coach também geram indícios. É a velha hipocrisia de “fale o que eu digo, mas não faça o que eu faço.” Um retiro comum de mulheres cristãs vai se tornando estranho a cada frame. Para dar uma apimentada na história entra em cena também uma lenda, que vai se tornar o estopim para a perda do controle.

O roteiro é bem preciso, trazendo um humor sarcástico afiado, com temas bem contemporâneos e absurdos, zombando de fake news, questões anti-vacinas, entre outras.

Está curiosx? Vá assistir nos cinemas. Esse filme vale a pena ver na telona.

Tease Trailer de VIRTUOSAS

O filme VIRTUOSAS ganhou prêmio no Festival de Cannes

✂️🙏🏼 VIRTUOSAS foi um dos cinco filmes brasileiros selecionados para o Goes to Cannes, programa oficial do Marché du Film que destaca projetos em pós-produção com alto potencial internacional. A seleção veio por meio do edital da SAv/MinC em parceria com o Festival do Rio, responsável pela curadoria dos projetos brasileiros.

Além disso, o filme GANHOU o Goes To Cannes Award 2025. O filme foi produzido por Ana Paula Mendes e pela própria diretora.

Além de VIRTUOSAS, a diretora Cíntia Domit Bittar também levou outro filme de terror para a França: CASARÃO.

Por incrível que pareça, as virtuosas são reais

Você pode estar se perguntando se as Virtuosas realmente existem ou são fruto da imaginação da diretora Cíntia Domit Bittar. Na verdade elas existem.

As seguidoras acreditam que a mulher deve encontrar realização no lar, no casamento e na maternidade, sendo submissa ao marido e responsável por manter a casa, cozinhar, cuidar dos filhos e “viver com graça e devoção”. Muitas se inspiram em ideais religiosos (principalmente cristãos), defendendo a ideia de que a mulher moderna perdeu seus valores ao buscar independência e carreira profissional.

Embora o discurso pareça inofensivo — com frases como “cada mulher deve escolher o que a faz feliz” —, ele reproduz estruturas patriarcais, reforçando que o lugar da mulher é restrito ao lar e à obediência masculina.

Esse tipo de movimento usa a aparência de escolha e empoderamento para mascarar o controle, pregando uma “virtude feminina” que, na prática, limita liberdade, autonomia e diversidade de papéis sociais.

A trilha sonora do filme traduz exatamente o que é uma mulher virtuosa